Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

28 outubro 2008

Uma forma: Juízo

Foto: Marco Novack
Havia muita vida naquelas vidas, ela bem sabia. Mas ... seu jeito de levar a vida exigia dela que ela a elevasse, que ela se elevasse pra romper a ordem. Queria um tanto mais de quase tudo e tamanha exigência lhe fazia um tanto rude com suas escolhas. Sempre soube escolher bem, quase nunca havia sido escolhida. Gostava de se ver do lado inverso, na contra-mão.

Aquele fim de semana havia se transformado no início de um tempo novo. Tanta vida naquele projeto: tanta possibilidade de apurar o olhar e elevar o pensamento, de buscar alternativas interpretativas, de se revirar por dentro, de se debater de dor, de se encantar com o olhar, de se confrontar com a mediocridade, de rir de si, de confirmar teorias, de agir fundamentada numa primeira intenção, de ver a forma, de esquecer um tanto o conteúdo, de valorar essências, de desprezar pequenezas e não se culpar.

No centro da cena: uma cineasta, uma diretora, uma intelectual, uma cidadã cheia de vida pulsada. Estava ali ao alcance do olhos. Uma artista comprometida com seu tempo, com seu país, com seu movimento, com sua arte. Ela dizia coisas que poderiam ser susurradas de tão preciosas que eram. Uma espécie de segredo ... ali ... jogado ao vento. Bons ventos! Maria Augusta tinha a sisudez dos(as) poetas, a seriedade dos(as) intelectuais e a esperança (quase) ingênua das crianças. Orgânica desde o pensamento. Clara na pele e na forma de dizer o que muitos insitiam em desdizer. Pontual desde o primeiro olhar, cheia de arte acomodada nas mãos tímidas. Ela espalhava palavras densas, poucos recolhiam. Ela espalhava poesia, poucos liam. Imagens retiradas de uma realidade concreta que de tão viva parecia inventada, adornada por luzes azuis, por falas sensíveis, por modelos-dublês expressivos de tanto sofrer. Nada era disfarce. Ela primava pela essência. Tão viva aquela carne exposta no rasgo, no primeiro corte. Havia possibilidades de suturas menos marcadas, de cicatrizes menos reveladas. Outra tatuagem seria possível: ambas acreditavam. Ela e Maria Augusta. Ela e outros olhos luminosos que havia reconhecido desde o primeiro encontro, desde o primeiro encanto. Tão viva a vida de poucos. Era sempre assim; sempre seriam poucos. Sempre seria aos poucos.

Um sopro ... traz vento, traz entendimento, traz acalento, traz amplidão de pensamentos.

Sentiu um frescor. Ainda envolvida em seus pressupostos "primeiros" sentiu um sopro leve anunciando um contato formatado com carinho. As palavras foram se avolumando e ela pode sentir o que Elga lhe dizia (delicadamente)em forma de lembrete (comos se só isso fosse): "... não podemos esquecer também a sensibilidade dos mesmos poetas, o comprometimento daqueles intelectuais e a certeza (nunca equivocada) de todas as crianças do mundo... Aos poucos... não, sempre! Tenhamos a esperança que têm as crianças para "saber" que não será sempre para poucos. Provavelmente, será, sim, aos poucos. Mas um dia será para muitos. Depois, quem sabe, para todos..."

Escutou e tentou guardar cada sílaba (soprada) pra si, dentro de si. Aqueles entendimentos ampliados estavam enxarcados de vida, de compromissos com o coletivo, de uma visão ampliada de mundo sustentada numa possibilidade mais humana e justa. Não queria dissipar, não queria se dissipar. Tão pontuais ... tanta generosidade a dela em lhe oferecer presentes em forma de palavras escritas-sentidas.

Percebeu que existiam tantas preciosidades ao seu redor, Maria Augusta há dias. Elga continuadamente. Mais do que "de passagem" ela as sentia no seu caminho. Um lindo caminho no meio de verdejantes bosques. Sentiu-se feliz, bem feliz e "o pouco" virou "muito". Quase tudo! Instantaneamente.

* Maria Augusta Ramos é uma premiada documentarista brasiliense. É conhecida por trazer procedimentos ficcionais em seus trabalhos documentais. Dentre os longas-metragens realizados pela roteirista e diretora estão os premiados "Brasília, Um Dia em Fevereiro", de 1996, "Desi", de 2000, "Justiça", de 2004 e "Juízo", de 2007. ( Fonte: Projeto Olho Vivo)

* Elga Arantes é mais do que uma querida amiga "virtual". É peça significativa no meu tempo presente. É peça viva e valiosa. Uma lindeza de gente, daquelas que vibram , daquelas que hipnotizam mesmo sem querer. Elga tem um blog interessantíssimo entitulado: O prometeu acorrentado. Elga redige belezas porque refelete o que é.

Foto: Marco Novack

4 comentários:

Lilian Glaisse disse...

Nossa, acho que a conheci no festival de cinema de brasília que fui há quase 4 anos!!

beijocas, belzita!

Elga Arantes disse...

"...a sisudez dos poetas, a seriedade dos intelectuais e a esperança (quase) ingênua das crianças."

Linda essa mescla de cores quentes! Não podemos esquecer também a sensibilidade dos mesmos poetas, o comprometimento daqueles intelectuais e a certeza (nunca equivocada) de todas as crianças do mundo...

Aos poucos... não, sempre! Tenhamos a esperança que têm as crianças para "saber" que não será sempre para poucos. Provavelmente, será, sim, aos poucos. Mas um dia será para muitos. Depois, quem sabe, para todos...

Entendo tão bem esse seu sentimento. Concretudes tão perfeitas que parecem invenção; palavras "desditas", por alguns; possibilidades de sanar o dano.

Isso é mesmo, lindo!!! Mesmo!!

Beijos, Bel.

P.S.: Ainda não consegui inventar um outro "chamador" para vc. Gosto de eleger alguma coisa que seja egoisticamente, vinda de mim, sabe?

Bel disse...

Lilian,
Jura? Não sei se sabes ... morei em Brasília por uns 4 anos. E, quando vi Maria Augusta pessoalmente por aqui (em Curitiba) senti que a conhecia (reconhecia). Acho que foi através da mídia de lá.
Agora, Lilian, ela é genial, sabias? Uma artista talentosíssima.
Agradeço teu eco.
Um beijo, Bel.


Elga,
Teu olhar é tão intenso, tão ampliado que me comovo com tua entrega para as minhas coisas daqui. Sempre percebi/senti tua intelectualidade pulsante, tua sensibilidade latente e tua inquieta vontade. Mas ... quando te colocas tão inteira e dialogas comigo percebo, ainda mais, tua inteligência e sabedoria. Quero muito te agradece, teus entedimentos ampliaram os meus. Teus escritos complementaram os meus. Que seja cada vez mais assim, aos poucos e pra sempre.
Ah...espero pela identificação tua, pelo codinome. Já estou ansiosa. Vou pensar em te renomear também, pra mim, posso?
Um afetuoso beijo, querida.
Bel.

Elga Arantes disse...

Bel,

Quando li, fiquei emocionada, depois muito sem graça. Não sei receber elogios ou homenagens. Não sei como reagir. Fiquei um tempão pensando em como poderia retribuir a altura. Descobri que não dá para fazer de forma pontual. Isso acontecerá naturalmente e em doses homeopáticas. O bem que vc faz para as pessoas, voltam para vc, em dobro. Essa é uma lei em que acredito.

E claro que pode me "renomear", adoraria!

Um beijo bem gostoso na bochecha. Se eu pudesse retribuir pessoalmente, é o que faria.

Ah! Vou para Curitiba no dia 13 e volto para BH no dia 17, vc mora é em Curitiba, não é? Ou é em Floripa?? Confundi...