Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

01 dezembro 2008

Lana




Criação fotográfica: Marco Novack

Não! Não havia sido a limitação (adormecida do lado direito, e, encaixada naquele corpo tão vivo e pleno) que havia feito ela parar. Parou em frente aquela barraca de jóias (pintadas à mão em porcelana branca) porque sentiu-se escolhida por ela. Sentiu seu chamado interno e reconheceu assim que piscou seus olhos para percebê-la. Ela havia ido para escolher ...escolher um (a) para as três. Aquela investigação exigiria um trabalho de equipe, elas iriam se deixar tocar pelo inesperado encontro. Aquele encontro deveria ser sintonizado pela via emocional. Deveria ser um encontro significativo para as três. Mas foi ela que se sentiu paralisada em frente aqueles olhos vívidos. E seu olhar foi espalhado por entre as três. Contagiaram-se e o convite foi aceito. Talvez tenha se sensibilizado pela aparente fragilidade dela. Talvez aquela boca grande e com dentes descolados à frente lhe fosse um espelho grande e luminoso. Talvez ela tenha se reconhecido nela. Lana pintava suas porcelanas através da mão esquerda já que a direita havia se encolhido pela atrofia de uma antiga e arrebatadora febre.

O primeiro olhar havia sido revelador: ali na frente delas reconheceram uma jóia rara e escondida dentro de um camafeu cor de prata envelhecida. Reluzente foi se deixando ficar ali com ela. Lana tinha uma história de superação e queria espalhá-la em meio ao vento numa espécie de anúncio-vivo. Como se segurasse um megafone na mão dizia sua história em um bom e delicado tom; seu encanto veio de uma quase morte, de um tempo de sobrevida e de uma luta inspirada no amor familiar. Seu irmão Carlos Eduardo havia feito milagres com ela. Contou que aos 6 anos ela falou sua primeira palavra: .... ado! Depois disso não parou mais, gostava de conversar e conversou mais com os olhos do que com o som provocado pelo movimento de ar em sua boca. Os sons que codificavam as palavras eram impulsionados pela beleza de estar viva, de se sentir viva e cheia de si, de se sentir abençoada e agradecida.

Tudo amontoado nela, tudo encolhido e alongado por ela. Tudo cheio de beleza interna. Por trás de óculos distorcidos ainda havia uma das retinas vivas: um foco apagado outro aceso, porém, ambos eram igualmente belos. Era mais que uma lanterna o que ela carregava naquela única lente.

E sua pintura era dom divino, assim como seu renascimento: "é muita força da família e muita fé". Definia-se como arteira embora a arte se fizesse presente bem ali exposta à sua frente. Cheia de entusiasmo foi se soltando nos primeiros minutos e a contração do corpo foi se aliviando através do ritmo de sua fala doce e presente. E ela foi dando vida cência às três. Cada uma pegaria para si o que lhe provocasse alguma espécie de emoção. Cada uma incorporaria pra si o que o corpo fosse capaz de (re)produzir. E ela foi inspirando-as e alimentando-as de luz e cor através da leveza sobreposta à dor. E foi ficando cada vez mais linda aos olhos de quem a viu. Foi focada pela máquina fotográfica e fez pose. Foi acompanhada pela câmera que tudo vê e se deixou captar. Tinha essência!

Depois de tanto se ver através dela ... nela. Depois de tantas sincronicidades de alma, depois de ver espelhada sua marca na boca dela ... ela se despediu de Lana. Ofereceu-lhe seu mais agradecido beijo. Trouxe consigo um pedaço de sua arte exposta em seu colo: um colar cheio de ternura lhe contornou o pescoço e lhe acompanhou no trajeto da volta. Enfeitou-se. Enfeitiçou-se. E foram as três trabalhar em seus corpos toda aquela vida sentida e armazenada em forma de energia. Transferências deveriam aparecer, um abismo com borda lhes colocariam em cena. A presença se dilataria e anunciaria toda aquela investigação: em forma de memória. Foram cheias de idéias ... foram com o coração na mão. Foram com o corpo vivo.

Por lá a transferência registrou marcas: aquela mimese corpórea havia deixado como herança a fisicidade de Lana que deveria se unir a fisicidade de cada uma delas para se apresentar em forma de (re)criação. Nem tudo se encaixou ... nem tudo se transformou. Mas Lena havia deixado um espelho bem em frente a boca dela. E quando se via refletida por ela gostava do que via. Aquela imperfeição (primeira) poderia se transformar em beleza. Quis acreditar com todo o poder de sua aceitação. Emoldurou-a bem em frente aos seus olhos. Aquela foto lhe acompanharia pelo resto de seus dias. Ela haveria de localizar menos ar e menos fala dali em diante... seu espelho lhe ajudaria. E Lena seria mais uma musa inspiradora dali para frente. À sua frente.

Apertou seu colar por entre os dedos e marcou a palma da mão. Um beijo foi necessário. E aquele frio que o lábio sentiu ao tocar o metal lhe fez querer se aceitar. Colocou-o perto de seu relicário junto a Nossa Senhora Vermelha e sentiu sua dor diluir.

8 comentários:

Biana França disse...

Bel, há pessoas que são simplesmente encantadoras, e para isso bastam ser!
Ótima sua sensibilidade de captar tudo isso e trazer para si.
Amei a afoto que vc está com o colar, parece uma criança fascinada com um brinquedo.
Bjus.

Lilian Glaisse disse...

ai, querida, que lindo o que deixaste do Mário Quintana!
muito, muuuito obrigada pelas palvras.
um beijo grande!

Renata disse...

A arte dilui a dor. Não pela arte em si, mas pela sensibilidade que flui no coração de quem a vê...

Um beijo. Em ti.

Um beijo. Pra Lena.

Renata.

Renata disse...

Bel, querida!

Obrigada pelas palavras doces!

Olha, não coloco foto no blog porque ainda tenho dificuldade de fazer certas coisas por aqui...Mas com o tempo eu vou conseguir usar todos os recursos...

Mas olha, tem uma foto pequenina minha no site aqui da minha cidade em que escrevo uma coluna, estou com as minhas pequenas. À esquerda, tem um link para a coluna com o meu nome: Renata Sperandio.

www.giorgiavasconcellos.com.br

Veja se consegue me ver por lá...

Um beijo!!

SGi/Sonia disse...

Bela Bel, lindo isso, mas hoje tomada pelo cansaço acumulado de alguns dias, as palavras entraram em mim lentamente, foi necessário ler mais de uma vez, e sentir tudo, para variar, a ponto de chorar.

Você é magnifíca!

Recebeu meu e-mail?

Beijins com felicidades:*

Nina disse...

também acho a Bel magnífica!

e tbm a cada dia surpreende com belas histórias. E essa Lana hein, que bonita deve ser... mesmo inventada.

Ana Carolina disse...

Que lindo, Bel. Onde a Lana fica? É uma feira? Que pessoa bonita....

É amanhã! To aqui (re)decorando meus textos. depois te falo!

Beijos e obrigadíssima pela torcida!

Bel disse...

Ana ... querida.
Primeiro desejo-te que seja forte e verdadeiro. Que o texto seja uno com o sentir. E...pelo que percebo em ti será vivo e colorido. Quero muito saber como foi ... como é.
Quanto a Lana, ela é artesã aqui da feira do Largo da Ordem de Curitiba. É uma feira bem grande e cheia de belezas. Tivemos um workshop com o Carlos Simioni do Grupo Lume da Unicamp, conheces? Ele fez conosco um trabalho de mimese corpórea e saímos à campo...acabamos encontrando essa lindeza que me encheu os olhos.
Um grande beijo e muita inspiração...

Um beijo pra cada uma, queridas do meu mundo de bolinas.
Bel