Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

Casa di Bebel ... Rabiscos sem papel

18 julho 2012

Derrames

... notava que o tempo passava e ela mal cabia. Quase não cabia mais em seu pote de 1,70. Queria saber a metragem de suas vísceras enquanto escrevia seus quase dois metros de tamanho longitudinal. Notava que nunca era ... sem se derramar. Notava que vinha se derramando muito mais do que antes. Derramava palavras de amor, derramava pétalas de flor. Derramava açúcar mesmo quando não adoçava seu café. Derramava-se pra garantir que só por hoje pudesse aquele tanto sentir. Derramava por horas ... duas esperas. Derramava-se sobre suas duas pernas tortas, sobre sua mão machucada no dedo, sobre seus olhos miúdos e sombrancelhas semi feitas há mais de 15 dias. Derramava-se sobre a poeira da casa de alúminio e sobre aquela outra de cortinas vermelhas tão tortas quanto ela. Derramava-se sobre a conquista daqueles lindos dias, sobre o chão da caixa preta que sempre lhe pareceu caixa de música. Derramava-se pra se juntar. Pra se ajuntar. Pra se reinventar. Derramava-se menos em lágrimas do que antes. Antes delas vinham os sorrisos. Amplos em sua boca grande e ressecada pelos dias de frio. Batom vermelho derramado antes pelo dedo, depois pelos lábios. Dois. Cinco dedos. De cada lado. Bilateralidade estimulada pela falta. Derramava-se com menos ansiedade do que sempre. Talvez o talvez houvesse sido substituído pelo ... Quase. Quase derramada sobre si ... Talvez juntasse restinhos de faíscas àcidas que se alimentavam do pouco. Mas cuidava pra se derramar sobre si antes de se oferecer ao derrame intoxicante. Derramava terra úmida sobre as plantas do jardim. Um passarinho louco se derramava sobre o preto e o cinza. Dois carros cheios de defecação. O passarinho parecia enlouquecido há mais de 4 meses. Insistia em brigar consigo nos espelhos dos carros. Cobriu-os de papelão na tentativa de poupar desgastes. Do passarinho e dela. Derrames passaram a acontecer sobre os papelões. Não eram os espelhos que o possuía. Era a fúria e a prontidão para o ataque. Defecava enquanto atacava e manchava o mundo de sementes e branquidão. Manchas nos carros. Sempre no mesmo lugar. Tinha a sua casa. O passarinho antes era de casa agora era inimigo do mundo. Irritou-se com seu derrame indefensável. Ambos derramavam suas impurezas sobre o mundo. Um sobreo outro. Derramou água sobre um carro enquanto praguejava o passarinho. Desejou seu falecimento. Arrependeu-se e novamente voltou a se derramar. Derramou suas conhecidas transparências sobre si. Nada de purificação. Nada de perdão. Ela tinha direito de se revoltar! Assim como o passarinho precisava se derramar.

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